quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

GENEALOGIA (2)

O meu sangue correu pelo atlântico
Entre barcos negreiros de costa a costa
Companhias de navegação do norte ao sul
E do sul para o norte.

Há no meu sangue alguém subtraído
Aos pais aos filhos ao amor da terra
Capturado por tribo inimiga
Prisioneiro de guerra
Ou de cilada armada.

Um negro
Robusto que bastasse para sobreviver à travessia do oceano
Grilhetas nos pulsos nos tornozelos no pescoço e na alma
Ou uma negra
Da costa dos escravos ao mercado da baía
Ou qualquer parte do brasil onde se vendesse gente como
                                                                           [mercadoria.

O meu sangue negro perde-se numa noite secular
Até um português do meu sangue branco (branco?)
Trazer uma bisavó mulata com sua mãe liberta
A bisavó que hasteava a ordem&progresso à varanda
Quando se pilhava e matava na lisboa republicana.

África américa europa américa europa
O meu sangue fez o triângulo do mar.

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