sexta-feira, 30 de março de 2012

MESSAGE IN A BOTTLE

Deixa-lhe bilhetes para a eternidade
Certo de que só no corpo se alcança a ventura.

quarta-feira, 28 de março de 2012

JÚLIO, DO AR


 Do ar júlio engenheiro jovem
Alto poeta pinta a menina que se
Dá ao bácoro burguês não
Faz mal pensa a menina três
Minutos de nojo o olfacto
Não estranha já.

Podia ser minha neta pensa
O burguês sebento bácoro
São três minutos de engano eu
Bácoro e sebento outros serão
Muitos mais foram.

Do ar júlio jovem pintor e
Alto poeta pensa que a miséria
Humana será lavada com tinta
Cor do sangue.

E chora.
5/6-III-2012

Júlio, O Burguês e a Menina
Centro de Arte Moderna, Lisboa

domingo, 25 de março de 2012

HUMANIDADE

                                                    (Depois de ouvir My Bucket Got's A Hole In It.)

A doçura daquela
Voz a tristeza daqueles
Olhos o calor da
Trompete de
Armstrong o segregado
Desmentindo o ódio.
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                      7-VI-2005


sexta-feira, 23 de março de 2012

O IMPOSTOR CAI EM SI, E SUPLICA

Agora que me trato por tu
E se desfez a pose fingida
Do sedutor   considera a
Pele na pele a boca na
Boca   as mãos por todo
O lado   permite conceder-
Nos uma fracção de ternura
Uma fracção de (e com isto
Liquido já o poema) tremura.

quarta-feira, 21 de março de 2012

FOLHA

Não a queria
Vergada ou
Quebrada antes
Folha soltando
Se e caindo
Inexorável
               m
               e
               n
               t
               e
Sobre
Si.

segunda-feira, 19 de março de 2012

RÉPLICA

Eras nesse casamento a imodéstia do vestir
Simples de todos os dias.

Divergias das fêmeas ciosas na igreja
Opulentando de transparência os vestidos
Decotes pelo peito abaixo saltos agulha
Em velado convite à cobrição.

E eras em tudo mais que elas   
Em mérito em cérebro em desejo
Ardente que uma natural reserva
Não conseguia comigo conter-se.

Quase nada era preciso
Para cairmos um no outro.

Mas não sabes ou saberás
Pois isto nunca verás    
Que não eras tu quem eu queria
Pequena árabe
(Ou israelita)
Há séculos convertida  
Retrato da que há anos me agrilhoa.

Tivéssemo-nos tido doce judia
(Ou agarena)   
E seria em outra mulher que eu julgaria estar
O original de ti réplica
Involuntária e imerecida
Na minha cabeça desaustinada.

A que tarde ou cedo lerá estes versos   
Sabendo que é dela que falo e me consome
E se consome pelo medo de se deixar amar.

13-III-2012

sexta-feira, 16 de março de 2012

ÚLTIMA HORA

Escrevo
Pois não consigo estancar
O que em mim verte 
Do belo que me fere
Do horrível que me alimenta.

4-I- / 16-III - 2012

quarta-feira, 14 de março de 2012

TRAÇOS DO CARÁCTER

Sarcástico.
Irónico...
Sardónico?
Mordástico!

25-X-2007

segunda-feira, 12 de março de 2012

SÓ EU SEI

Fechou a porta
Suavemente e
Acendeu a luz.

Só eu sei como não
Sabia o que pensava.

sexta-feira, 9 de março de 2012

RATOS E HOMENS

“But if the while I think on thee, dear friend
All losses are restor'd, and sorrows end.”

Shakespeare


No bosque proibido   romance de mircea eliade   stefan refugiou-se do blitz londrino nas estações do metro.   No bolso levava sempre uma edição dos sonetos de shakespeare   que lia obstinadamente enquanto as bombas caíam.   Os sonnets preservavam-no da ameaça lançada dos céus.   Nessa espécie de esgoto  a poesia fazia a diferença entre ratos e homens.

quarta-feira, 7 de março de 2012

PARA A AVÓ ZÉ

Lembro-me de como gostava de estar
Debruçado sobre a mesa da cozinha
Vendo a avó a ferver as seringas
Numa velha panela redonda de esmalte.

A mesa era grande de mármore
E ali fazia os deveres da escola
Num caderno quadriculado sujo de enganos
Da aritmética com um n.º 2 mal aparado.

Hoje a avó já não ferve as seringas
Mas desfaz os morangos
em compota
Aroma
que anuncia
Escuras tardes de outono.
Estoril, 23-VI-1985

segunda-feira, 5 de março de 2012

NADA


…Mas ele nada tinha para lhe dar
Tocar-lhe era tudo
O que queria.

Fazer com esse nada
Uma porção do tudo.

sexta-feira, 2 de março de 2012

MEMÓRIA

Nunca escrever
Lábio a lábio
Ou
Sílaba a sílaba
Nem
Rente ao que quer que seja.

Nunca falar
Das zinias
E
Das tílias
(E agora
Também do hibisco).

Fugir
Do
Levedar
E do
Lêvedo.